Natália Baraldi Cunha _ Bauru / SP
Especialista em Nutrição Oncológica da SBNO de São Paulo
Câncer colorretal e microbiota intestinal
O câncer de intestino grosso, também conhecido como câncer colorretal (CCR), abrange os tumores que se iniciam na parte do intestino grosso chamado cólon, reto e ânus. É tratável e, na maioria dos casos, apresenta cura, ao ser detectado precocemente. Grande parte desses tumores se inicia a partir de pólipos, lesões benignas que podem crescer na parede interna do intestino grosso.1
Em 2020, CCR foi a segunda causa de morte relacionadas à doença e o terceiro câncer mais diagnosticado em todo o mundo.2 Nesse mesmo ano, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estimou 40.990 novos casos de CCR no Brasil, sendo 20.520 homens e 20.470 mulheres.1
Abrindo parênteses nas estatísticas, a partir de 2020, o diagnóstico e o tratamento do câncer ficaram prejudicados pela pandemia do coronavírus 2019 (COVID-19) pelo acesso restrito aos cuidados devido ao fechamento de estabelecimentos de saúde que resultou em atrasos no diagnóstico e tratamento, levando a uma queda de curto prazo na incidência de câncer, seguida por um aumento na doença em estágio avançado, com aumento da mortalidade. No entanto, essa consequência da pandemia levará vários anos para ser quantificada globalmente, devido ao atraso na disseminação de dados de vigilância de base populacional.3
Entre as principais causas para aumento de risco de desenvolvimento do CCR está: idade igual ou maior que 50 anos, excesso de peso corporal, alimentação pobre em frutas, verduras e legumes (FVL) e outros alimentos que contenham fibras. Ainda no contexto alimentar, o consumo de carnes processadas (mortadela, salame, salsicha, linguiça, presunto, peito de peru, bacon), a ingestão excessiva de carne vermelha (mais do que 500 gramas/semana) e dietas ricas em gorduras saturadas também aumentam seu risco.1
Mas a grande ênfase aqui vai para função intestinal, que também exerce grande importância nesse processo, no qual o tempo de trânsito e a permeabilidade da barreira intestinal afetam a penetração de metabólitos bacterianos do lúmen intestinal para a corrente sanguínea.4, 5 Em outras palavras, se você tiver uma saúde intestinal boa e saudável, com intestino funcionando regularmente (às custas de bons hábitos de vida), a sua microbiota intestinal terá características antineoplásicas, ou seja, os microrganismos (MO) que ali habitam o protegerão contra o tumor. Agora se você tiver um intestino que vive constipado ou muito solto, com alimentação pobre em fibras alimentares, bebendo pouca água e comendo muitos alimentos ultra processados (industrializados) e gorduras saturadas e trans, sua microbiota terá características tumorigênicas, ou seja, favorecendo o desenvolvimento do câncer.6
Já é bem conhecida a contribuição de uma má alimentação para o prejuízo da microbiota intestinal e desenvolvimento do câncer intestinal.1, 6, 7 Dieta, a longo prazo, com aumento de carnes processadas e redução de FVL promoveu maior metabolização microbiana de enxofre, sendo relacionada ao maior risco de desenvolvimento deste tipo de câncer em uma coorte de homens com idade de 40 a 75 anos.8
Em uma coorte prospectiva, incluindo enfermeiras mulheres com idade entre 25 e 42 anos, foi observado que a adesão a uma dieta, com exposição desde adolescência, que favorece a colonização de comunidades microbianas intestinais metabolizadoras de enxofre esteve associada a um risco aumentado de adenoma convencional de início precoce, com risco elevado para lesões com maior probabilidade de evoluir para câncer colorretal.9
Além disso, dietas ricas em gorduras saturadas e ou trans (frituras, alimentos industrializados, bolachas recheadas, fast foods, carnes vermelhas e processadas) também tem seu potencial pró carcinogênico, pois aumentam bactérias redutoras de sulfato, como Desulfovibrio vulgaris, favorecendo o ambiente neoplásico.10
Por outro lado, dietas ricas em fibras alimentares produzem uma gordura de cadeia curta, o ácido butírico, a partir da fermentação de bactérias intestinais, apresentando-se com ação antineoplásica.11 Este ácido graxo de cadeia curta é utilizado pela mitocôndria nos colonócitos e ajuda a manter um equilíbrio energético saudável, propiciando a proliferação de células epiteliais do cólon.12
Ademais, o consumo de FVL, além de conter fibras que são importantes para saúde intestinal, também possuem componentes antioxidantes, substâncias capazes de inibir a oxidação, diminuindo as concentrações de radicais livres que agem quelando íons metabólicos e prevenindo a peroxidação lipídica.13
Neste sentido, justifica-se a modificação da dieta como um meio de modular estados microbiológicos intestinais de longo prazo implicados em uma série de doenças gastrointestinais, incluindo CCR e doenças inflamatórias intestinais.8
Ou seja, os hábitos saudáveis devem ser construídos ao longo da vida, de preferência desde a infância, mas nunca é tarde para começar!