AMAMENTAÇÃO E CÂNCER

 

Liliane Soares Corrêa de Oliveira

Rio de Janeiro – RJ

 

AMAMENTAÇÃO E CÂNCER

 

O câncer é o principal problema de saúde pública no mundo e já está entre as quatro principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos de idade) na maioria dos países.1,2

A mais recente estimativa mundial, em 2018, aponta que ocorreram no mundo 18 milhões de casos novos de câncer e 9,6 milhões de óbitos. O câncer de mama é o segundo mais incidente no mundo (2,1 milhões) e o mais frequente entre as mulheres (24,2%).1

Para o Brasil, a estimativa para cada ano do triênio 2020-2022 aponta que ocorrerão 625 mil casos novos de câncer. O câncer de pele não melanoma será o mais incidente (177 mil), seguido pelos cânceres de mama e próstata (66 mil cada).2

Nas mulheres, os cânceres de mama se destacam entre os principais, representando quase um terço de todos os casos da doença (29,7%). Estimativas do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) para 2020 apontam que 66.280 mulheres desenvolverão esse tipo de câncer no Brasil.2

O tipo histológico mais comum para o câncer de mama é o carcinoma de células epiteliais, que se divide em lesões in situ e invasoras. Os carcinomas mais frequentes são os ductais ou lobulares.1,2,3,4,5

Entre os fatores que contribuem para o aumento do risco de desenvolver a doença podem ser considerados fatores genéticos (mutações dos genes BRCA1 e BRC2) e hereditários (câncer de ovário na família).1,4 Fatores reprodutivos, que podem incluir: idade da menarca, número de gestações, idade do primeiro nascimento, duração da amamentação ao longo da vida, idade da menopausa e uso de terapia hormonal na menopausa.6 Além de obesidade, sedentarismo e exposições frequentes a radiações ionizantes (fatores ambientais e comportamentais).2

O risco de desenvolver este tipo de câncer está relacionado à exposição a hormônios endógenos e exógenos. Fatores reprodutivos, como menstruação precoce e menopausa tardia, podem aumentar os níveis e/ou a duração da exposição aos hormônios ovarianos. A nuliparidade ou baixa paridade podem fazer com que o tecido mamário seja exposto a altos níveis hormonais por períodos mais longos, aumentando assim o risco de câncer.7,8 Por outro lado, a gravidez e a amamentação podem reduzir o número de ciclos menstruais e a exposição cumulativa a hormônios endógenos, além de introduzir a diferenciação das células da mama, que podem ser mais resistentes à transformação em células cancerígenas.9,10,11

Outro fator de proteção da gravidez e lactação pode estar relacionado ao processo de involução da mama que ocorre no pós-parto.12 As evidências sugerem que a amamentação apóia a diferenciação de células mamárias após uma gravidez e é menos provável que as células diferenciadas se tornem cancerosas.13 Além disso, a amamentação e os processos envolvidos durante a sua interrupção (por exemplo, apoptose) podem diminuir o risco de câncer removendo células com danos iniciais no DNA do tecido mamário.14

Um possível fator desencadeante para o câncer de mama é a inflamação induzida por bactérias patogênicas nos ductos da mama, que leva a uma alteração na hierarquia das células tronco, podendo desenvolver o câncer. Tendo em vista que, a flora bacteriana fermentadora de lactose nos ductos mamários é considerada protetora contra a inflamação, a gravidez e a amamentação reduzem o risco de câncer de mama.15

Fica claro que dentre os vários fatores de proteção contra essa doença está o ato de amamentar. A amamentação protege as mães contra o câncer de mama, principalmente quando é feita de forma exclusiva nos seis primeiros meses de vida da criança e depois estendida por pelo menos um ano. Um estudo de revisão observou que a amamentação reduz o risco de câncer de mama e quando feita de forma exclusiva reduz ainda mais esse risco, quando comparando à mães que não amamentaram de forma exclusiva.16

A amamentação é de particular interesse para a prevenção do câncer de mama, pois é um fator de risco modificável. Não apenas reduz o risco de câncer de mama, mas também confere outros benefícios à saúde da mãe, incluindo risco reduzido de câncer de endométrio e ovário,17 de condições crônicas como hipertensão e diabetes, que também podem influenciar no desenvolvimento do câncer.18,19 Além disso, a amamentação fornece muitos benefícios ao bebê, incluindo menos episódios de diarréia, infecções de ouvido, infecções respiratórias, menor risco de morte súbita do bebê, diabetes, asma e obesidade infantil.20

O Instituto Americano de Pesquisas Relacionadas ao Câncer incluiu em suas recomendações mais recentes, sobre as principais medidas para prevenção da doença, o ato das mães amamentarem os filhos. Uma vez que, a amamentação protege contra o câncer de mama nas mães e as crianças contra o ganho de peso excessivo, sobrepeso e obesidade, prevenindo assim daqueles cânceres que têm como fatores de risco a obesidade. Além disso, o excesso de gordura corporal na infância tende a acompanhar a vida adulta, está associado à menarca precoce em meninas, o que também pode aumentar o risco de cânceres em geral.21

A proteção contra o sobrepeso e a obesidade desde a infância até a fase adulta está relacionada à leptina, um hormônio presente no leite materno, que ajuda a regular o metabolismo energético, ou seja, a transformação dos alimentos em energia e seu armazenamento no corpo do bebê. A criança deve receber somente leite materno até os seis meses de vida. A partir de então, deve receber alimentação complementar saudável, mantendo o leite materno até os dois anos de idade ou mais.22

O aleitamento materno é a primeira ação de alimentação saudável. Quanto mais prolongada for a amamentação, maior a proteção para a mãe e o bebê. Portanto, sempre que possível, amamente e encoraje o aleitamento materno exclusivo.

A prevenção é a melhor atitude contra o câncer!

Referências Bibliográficas:

  1. Bray, F. et al. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA: a cancer journal for clinicians, Hoboken, v. 68, n. 6, p. 394-424, Nov. 2018.
  2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro. INCA, 2019.
  3. American Cancer Society. Cancer facts & figures 2019. Atlanta: American Cancer Society, 2019a.
  4. Ferlay, J. et al. (ed.). Cancer today. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer, 2018. (IARC CAncerBase, n. 15). Available at: https://publications.iarc.fr/Databases/Iarc-Cancerbases/Cancer-Today-Powered-By-GLOBOCAN-2018–2018. Access in: 9 Sep. 2019.
  5. Stewart, BW.; Wild, CP. (ed.). World cancer report 2014. Lyon: IARC Press, 2014. 1010 p.
  6. Barnard ME, Boeke CE, Tamimi RM. Established breast cancer risk factors and risk of intrinsic tumor subtypes. Biochim Biophys Acta. 2015; 1856(1): 73–85.
  7. Kobayashi S, Sugiura H, Ando Y, Shiraki N, Yanagi T, Yamashita H. Reproductive history and breast cancer risk. Breast Cancer Tokyo. 2012;19:302–308.
  8. Collaborative Group on Hormonal Factors in Breast Cancer. Breast cancer and breastfeeding: collaborative reanalysis of individual data from 47 epidemiological studies in 30 countries, including 50302 women with breast cancer and 96973 women without the disease. 2002;360:187–195.
  9. Colditz GA. Cancer Epidemiology and Prevention. 3rd Ed. New York: Oxford University Press; 2006
  10. Britt K, Ashworth A, Smalley M. Pregnancy and the risk of breast cancer. Endocr Relat Cancer. 2007; 14:907–933.
  11. Russo J, Moral R, Balogh GA, Mailo D, Russo IH. The protective role of pregnancy in breast cancer. Breast Cancer Res. 2005; 7:131–142.
  12. Schedin P. Pregnancy-associated breast cancer and metastasis. Nat Rev 2006; 6(4):281–291.
  13. Russo J, Moral R, Balogh GA, Mailo D, Russo IH. The protective role of pregnancy in breast cancer. Breast Cancer Res. 2005;7(3):131–142.
  14. Wiseman M. The second World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research expert report. Food, nutrition, physical activity, and the prevention of cancer: a global perspective. Proc Nutr 2008;67(3):253–256.
  15. Marwaha A.K., Morris J.A., Righy R.J. Hypothesis: bacterial induced inflammation disrupts the orderly progression of the stem cell hierarchy and has a role in the pathogenesis of breast câncer. Medical Hypothesis 136, 2020.
  16. Unar-Munguia M., Torres-Mejia G., Colchero, M.A. et al. Breastfeeding Mode and Risk of Breast Cancer: A dose-response meta-analysis. Journal of Human Lactation. 2017. Vol.33 (2), p. 422-434.
  17. Cramer DW. The epidemiology of endometrial and ovarian cancer. Hematol Oncol Clin North Am. 2012; 26(1):1–12.
  18. Perrine CG, Nelson JM, Corbelli J, Scanlon KS. Lactation and maternal cardio-metabolic health. Annu Rev Nutr. 2016; 36:627–645
  19. Bosco JL, Palmer JR, Boggs DA, Hatch EE, Rosenberg L. Cardiometabolic factors and breast cancer risk in U.S. black women. Breast Cancer Res Treat. 2012; 134(3):1247–1256.
  20. Ip S, Chung M, Raman G, et al. Breastfeeding and maternal and infant health outcomes in developed countries. Evid Rep Technol Assess (Full Rep). 2007; 153:1–186.
  21. World Cancer Research Fund. Recommendations and public health and policy implications. American Institute for Cancer Research. 2018.
  22. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primaria à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 265 p. : Il.
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